Uma paciente diagnosticada com câncer recebeu uma negativa abusiva do seu plano de saúde. A autora precisava do medicamento paclitaxel, nos termos da prescrição realizada pelo médico.
A operadora de plano de saúde negou o fornecimento do tratamento sob a alegação de uso off label.
Entretanto, por não competir ao plano de saúde a escolha pelo melhor tratamento, inegável a ilicitude da negativa ofertada, motivo pelo qual o ato ilícito não pôde subsistir, nos termos do recente (27/12/2019) e acertado julgado do TJSP.
Além disso, vale registrar que o rol da ANS é uma mera lista administrativa, que, por sua vez, não pode se sobrepor às disposições da Lei 9656/98, nem às regras da Lei 8078/90, sobretudo, como no caso em questão, em situação de nítida desvantagem para o consumidor.
Trecho da decisão:
Consta dos autos que a autora, beneficiária do plano de saúde mantido pela requerida, foi diagnosticada com adenocarcinoma de pâncreas em 2017, tendo realizado diversos tratamentos. Tendo em vista a progressão da doença, foi indicado tratamento com o medicamento Paclitaxel (fls. 20). Em razão da negativa de cobertura por parte da operadora do plano de saúde, propôs a presente ação buscando a condenação da ré ao custeio do tratamento com o medicamento em questão enquanto durar o tratamento.
A ré, por sua vez, se recusa a custear tal tratamento, sob a justificativa de que tal medicamento não está previsto no rol da Agência Nacional de Saúde e que sua responsabilidade é limitada pelo próprio instrumento contratual.
É evidente, contudo, que não pode um catálogo de natureza administrativa contemplar todos os avanços da ciência, muito menos esgotar todas as moléstias e seus meios curativos usados com base científica. Por isso, a pretendida exclusão do custeio desse tratamento somente poderia ser acolhida se houvesse manifesto descompasso entre a moléstia e a cura proposta, o que não é o caso dos autos.
Entre a aceitação de novos procedimentos e medicamentos pela comunidade científica médica e os demorados trâmites administrativos de classificação, não pode o paciente permanecer a descoberto, colocando em risco bens existenciais.
Aliás, cumpre reconhecer que o rol da ANS constitui norma infralegal, que não pode se sobrepor às disposições da Lei nº 9656/98, nem às regras previstas no Código de Defesa do Consumidor.
E, nesse passo, é evidente que a exclusão genérica de cobertura contratual viola ambos os diplomas legais supracitados.
Ressalte-se que, consagrando tal entendimento, este Tribunal de Justiça editou as Súmulas nº 95 e 102, in verbis:
Súmula 95: Havendo expressa indicação médica, não prevalece a negativa de cobertura do custeio ou fornecimento de medicamentos associados a tratamento quimioterápico.
Súmula 102: Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento
No mais, parece óbvio que, independentemente de qualquer previsão no rol da ANS, cabe ao médico que assiste a paciente, e não à operadora de saúde, direcionar e escolher o melhor tratamento médico.
E ainda:
AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO EXPERIMENTAL. COBERTURA DE TRATAMENTO DOENÇA. PROCEDIMENTO INCLUÍDO. 1. As operadoras de planos de saúde podem, por expressa disposição contratual, restringir as enfermidades a serem cobertas, mas não podem limitar os tratamentos a serem realizados, inclusive os medicamentos experimentais.
(AgInt no AREsp 1014782/AC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 17/08/2017, DJe 28/08/2017)
Nesse sentido, precedente deste Tribunal, no qual se destaca que “pelo termo ‘tratamento experimental’, cuja cobertura está de fato excluída do contrato, se deve entender apenas aquele sem qualquer base científica, não aprovado pela comunidade e literatura médicas, muito menos ministrado a pacientes em situação similar. Seriam os casos, por exemplo, de tratamentos à base de florais, cromoterapia, ou outros, ainda sem comprovação científica séria” (TJ-SP, Ap. Civ. n. 550.495.4/9-00).
Nessa mesma esteira, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “Em conclusão, após analisar as razões recursais, podese afirmar que a operadora de plano de saúde não está autorizada a interferir na atuação médica para se negar ao fornecimento de tratamento ao paciente enfermo, sob o pretexto de que não possui adequação com as indicações descritas na bula/manual registrado na ANVISA (uso off-label). Esta conduta, além de não ter fundamento na Lei 9.656/98, consiste em obrigação iníqua e abusiva na relação contratual, e coloca concretamente o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, IV, do CDC).” (REsp nº 1.721.705 SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 28/08/2018).
Por tudo isso, diante de uma negativa ilegal do plano de saúde, é fundamental que o consumidor entre em contato com um advogado especializado em Direito à Saúde a fim de analisar a possibilidade de providências judiciais ou extrajudiciais contra a posição da operadora.
Caso tenha recebido uma negativa abusiva, reúna os documentos necessários e busque o apoio de um escritório advocacia especializado em saúde para o devido ajuizamento de um processo contra o plano de saúde.
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Macena Silva, Advocacia Especializada em Saúde, pode esclarecer suas dúvidas em relação ao seu direito na área da saúde.